quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Memórias




À janela empoleirada, olho para a direita
E ligeira, escorreita de canastra à cabeça
Vem a varina subindo cantando a sua canção:
“Ó fregueses, peixinho fresquinho, quem me acaba o resto”
“Aproveite freguesa”
Chega ao largo já cansada
Pousa a canastra no chão
Tira a rodilha e com a ponta do xaile alivia o suor do rosto
Escorrido, sofrido, de uma vida de escravidão.
Num gesto já rotineiro
Olha a Igreja de Sto. António, faz o sinal da cruz
E só ela sabe a conversa que têm.
Sorri, e de novo entoa a sua canção:
“Ó fregueses, peixinho fresquinho”
“Aproveite freguesa”
Olho a canastra no chão pousada o peixe brilha,
Como brilha a calçada quando pela chuva é regada
Sardinha, carapau e outros que não sei o nome
Ao longe, entoa a mesma cantiga
São as amigas da lide que sobem a rua
Que por ironia do destino, se chama de Padaria
E no largo, no chão pousadas já são três as canastras
As varinas descansam o cansaço
Desancando na vida das outras.
Regalo o meu olhar nas saias coloridas, rodadas,
Semi- tapadas por um vistoso avental debruado.
O xaile volta a cobrir os ombros
A rodilha volta à cabeça onde a canastra se irá apoiar
E, em amena cavaqueira, as varinas unidas
Continuam subindo
Agora,
A Calçada do Correio Velho.

Saio de cima da cadeira
Amanhã será outro dia
E de novo ouvirei o cantar da varina.

Maria Antonieta Oliveira
13-02-2019


Sem comentários:

Enviar um comentário